Exercer a cidadania e votar com consciência
Com a proximidade das eleições municipais para eleger o prefeito e vereadores, representantes da cidade do Rio de Janeiro, o jornal “Testemunho de Fé” realizou entrevista com o coordenador arquidiocesano de pastoral, monsenhor Joel Portella Amado, com o intuito de esclarecer e orientar os fiéis quanto à escolha do voto de acordo com a Doutrina Social da Igreja Católica.
Testemunho de Fé – Por que motivo a Arquidiocese do Rio de Janeiro convocou uma coletiva de imprensa e publicou uma nota de esclarecimento com relação às eleições na cidade?
Monsenhor Joel Portella Amado – A Arquidiocese foi provocada por alguns católicos que, através de telefonemas e conversas com padres pelo aplicativo WhatsApp, se assustaram ao ver a foto de alguns sacerdotes juntos a candidatos e, especialmente, a imagem do Cardeal Orani João Tempesta sendo utilizada por um deles. Muitos questionaram se o uso da foto significa apoio direto do cardeal e dos padres ao candidato.
O que foi dito, tanto na entrevista quanto na nota, é que as imagens não significam apoio institucional no caso do arcebispo do Rio a qualquer candidato, independentemente de ser aquele que mostrou a foto num panfleto de propaganda eleitoral ou outro candidato. Dom Orani tem o hábito de permitir ser fotografado por qualquer pessoa e já deixou isso claro. A imagem do cardeal significa apenas a presença do pastor junto ao rebanho, não mais do que isso. Ela não pode ser interpretada como um apoio oficial.
TF – Então não existe nenhum tipo de apoio por parte do cardeal a qualquer candidato?
Monsenhor Joel – A pessoa, o cidadão Orani João Tempesta tem as suas opções eleitorais, sem dúvida alguma, mas é muito difícil separar a pessoa da função. E ele, seguindo a orientação da Igreja, prefere abster-se de se manifestar como cidadão, porque tem consciência de que será compreendido como cardeal ao indicando votos às pessoas.
TF – Por que o cardeal adotou esse posicionamento?
Monsenhor Joel – É tradição de a Igreja respeitar a consciência das pessoas. Não se faz democracia com voto de cabresto nem manipulando a consciência das pessoas, inclusive pela via religiosa. Dom Orani tem consciência de que qualquer imagem dele pode levar não apenas uma situação concreta de escolha ou não de um candidato, mas também o processo eleitoral, além de agredir a democracia, que exigem que o voto seja livre e consciente, tudo isso, é claro, conforme a Doutrina Social da Igreja.
TF – E quanto aos sacerdotes? Eles podem ter fotos associadas e veiculadas junto a candidatos?
Monsenhor Joel – A legislação eleitoral permite que todo cidadão se manifeste. O padre, ainda que em grau menor do que o arcebispo, tem uma função pública e corre o risco de ser interpretado como indicador de votos. Porém, não com o mesmo peso de um arcebispo, de um cardeal da Igreja. Dessa forma, enquanto cidadão, o sacerdote pode ter sua imagem veiculada. Após uma consulta, o Tribunal Regional Eleitoral (TER) nos fez essa afirmação. Mas, agindo com a sabedoria e a prudência da Igreja, ele deve informar e deixar aos leigos o direito de discernir.
TF – De que maneira os leigos podem discernir?
Monsenhor Joel – O leigo precisa ter cautela para não ser iludido, amarrado e, assim, cair no voto de cabresto. Ou seja, quando se vota em determinado candidato justamente porque alguém também vota nele. O voto é uma decisão pessoal. A recomendação da Igreja é para que os leigos se reúnam, conversem e, a partir disso, tenham o discernimento. Isso pode ser feito, como aconteceu em outras eleições, nas próprias casas dos leigos que abrem as portas para o diálogo.
O prazo para o discernimento eleitoral neste ano foi muito curto. Tivemos muitas coisas antes do processo eleitoral chegar às nossas consciências. Não houve tempo para fazer muitas reuniões e conversar com os candidatos, mas os leigos podem se reunir nas próprias casas e dialogar um pouco, analisar o quadro, toda a conjuntura e verificar em quem, diante de Deus, depois de rezarem, vão depositar o seu voto.
TF – Quais critérios os leigos podem considerar num curto período de tempo?
Monsenhor Joel – No mês de agosto, os bispos do Regional Leste 1, que abrange todo o Estado do Rio de Janeiro publicaram um pequeno texto, prático e objetivo, no qual indicam uma série de critérios. Tais parâmetros se estendem desde os negativos, como o famoso “não trocar voto por benefícios”, os favorecimentos pessoais e materiais ou promessas que, no fundo, se revelam ilusórias. Há também critérios positivos, no que se refere, por exemplo, ao respeito e à promoção da família, valorização e educação da criança, do adolescente e do jovem, além de muitos outros critérios que devem ser vistos na nota publicada. Entre eles, temos ainda toda a questão de não se comprometer com o aborto, com a legalização das drogas e tudo mais que venha a agredir a família, a dignidade da pessoa humana e tantas outras situações.
TF – Que tipo de cuidado é preciso ter, neste momento, com relação às eleições?
Monsenhor Joel – Não diria apenas um único cuidado, mas vários. O primeiro, sem dúvida alguma, é o de escolher bem os candidatos. Falo no plural, uma vez que não se trata apenas de escolher o prefeito, mas também quem vai ocupar a Câmara dos Vereadores. É preciso votar bem tanto para o Poder Executivo quanto para o Legislativo. Na verdade, ambos se equilibram, porque o Poder Legislativo tem a função de fiscalizar, observar e acompanhar o trabalho do prefeito. Uma boa Câmara de Vereadores é capaz de realizar muita coisa nesse sentido, além de ajudar a cidade a cumprir a sua vocação.
O segundo cuidado que se deve ter é com relação a nós, enquanto Igreja e comunidade eclesial. Não podemos permitir a divisão. Porque a política é partidária, por natureza, está no DNA e o próprio nome diz ‘partidária’, uma parte, enquanto a Igreja é uma comunhão. O Cardeal Dom Eugênio Sales nos ensinou, quando eu ainda era um jovem padre, que os políticos passam e a Igreja permanece. Traduzindo a frase de Dom Eugênio: se nos deixarmos levar pelas divisões partidárias, ainda que com o sonho de uma sociedade justa, fraterna e solidária, a nossa divisão não contribuirá para a construção desta sociedade tão sonhada.
Podemos pensar diferente e votar diferente, mas, como cristãos, somos irmãos, acima de tudo, que se amam e se respeitam no voto que, daqui a quatro anos, poderá ser outro totalmente diferente. Voto não é profissão de fé. É necessário que se reveja a cada eleição aquilo que efetivamente deve ser o melhor para o povo e nunca para benefícios pessoais da Igreja.
TF – As questões pessoais e religiosas devem ser consideradas na hora de escolher um candidato?
Monsenhor Joel – Sim, desde que elas interfiram diretamente no modo do candidato vir a exercer a sua função política. Os bispos do Leste 1, repetiram por vezes uma frase muito interessante: “Entre as condições para ser eleito, que o candidato seja um bom administrador. Pois, segundo a Igreja e a sabedoria popular, quem não cuida bem do seu patrimônio, como vai cuidar bem do patrimônio do povo?”. É claro que nós sabemos que cuidar bem não significa aumentar seu patrimônio pessoal nem zelar por ele através de recursos ilícitos e imorais. É observar que, se a pessoa tem probidade, honestidade e integridade em sua vida pessoal, o candidato possui um bom indício que o fará também na vida pública. No caso específico da religião, é sempre bom verificar se a vida religiosa corresponde, por exemplo, a esta integridade da qual os bispos do Leste 1 falam.
TF – Como medir esta integridade pessoal?
Monsenhor Joel – Sempre será necessário olhar o conjunto da vida e não um fato e outro. Se eu tropeço numa pedra, não significa que todos os dias e todas as horas vou tropeçar nessa mesma pedra. Todos em algum momento da vida tropeçamos em pedras, mas nem por isso somos incapazes de andar. Por isso, é necessário verificar o conjunto da vida dos candidatos.
TF – Como fazer esta análise se pouco se conhece sobre os candidatos e o que chega à população vem através de marketing eleitoral?
Monsenhor Joel – De fato, o marketing eleitoral atrapalha ou pelo menos coloca uma nuvem na consciência das pessoas. Ou seja, o que vem a nós não é o fato em si, mas o fato trabalhado, lido, como se colocassem, por diversas vezes, uns óculos em nossos olhos para que só enxerguemos um lado da história. Seria necessário que cada cristão pudesse ter um maior contato com a vida da pessoa que se apresenta como candidato para o executivo e legislativo.
Atualmente, o processo de ‘marketização eleitoral’ atrapalha que isso aconteça. Além disso, esse ano, o tempo foi muito curto para tal aprofundamento. Mas é preciso que as pessoas com maior habilidade pesquisem na internet, vejam se o candidato é ficha limpa, por exemplo. Essas informações são fáceis de serem encontradas na internet. é preciso se munir com os dados necessários para um discernimento mais amplo do que simplesmente ouvir uma notícia, se impactar por ela e não deixar de votar. O voto é um dever de cidadão e é uma responsabilidade diante de Deus.