Bento XVI e Francisco. Sucessores de Pedro a serviço da Igreja
O purpurado alemão detém-se, em particular, sobre a figura dos dois Pontífices, sobre a reforma da Cúria Romana, sobre a teologia de Joseph Ratzinger e, ainda, sobre a “Igreja pobre e para os pobres” do Papa Francisco.
Em entrevista concedida à Rádio Vaticano, o Card. Müller explicitou os temas tratados no livro. Eis o que disse:
Card. Müller:- “Todos os dois são Sucessores de São Pedro! E é importante ver isso propriamente segundo a nossa teologia: o Papa não é diretamente o sucessor do Papa precedente, mas todo Papa é o Sucessor de São Pedro e, por conseguinte, representa essa grande missão que Jesus Cristo confiou a ele. Por isso, cada Papa, em sua pessoa, é instruído pelo próprio Jesus Cristo.”
RV: A seu ver, qual foi o impulso que Bento XVI deu a nossa fé em Cristo? Em que, sobretudo, se caracterizou o Pontificado do Papa Ratzinger?
Card. Müller:- “O Papa Bento XVI escreveu este livro sobre Jesus de Nazaré e – como sabemos – essa era a confissão, era a profissão de fé de São Pedro. Muita gente dizia que Jesus era um profeta. Pedro, na pessoa da Igreja, graças a uma revelação do Pai Celeste, disse: ‘Tu és o Cristo, o Messias’. Esse é o núcleo da missão petrina! Esse livro não é somente um trabalho privado: professores escreveram sobre vários temas da teologia, da filosofia... Esse é quase o núcleo do Primado, porque precisamos de um Primado somente para isso, para unir todos os fiéis na mesma fé. A fé não é uma soma de convicções, de ideias. O centro da fé é a pessoa de Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.”
RV: Um dos capítulos do seu livro é dedicado à “Igreja pobre e para os pobres”, à opção preferencial pelos pobres. Por que esse tema, que o Papa Francisco introduziu em seu Pontificado, imediatamente impressionou e continua surpreendendo tanto, inclusive os não católicos?
Card. Müller:- “Esta expressão ‘opção preferencial pelos pobres’ não é exclusiva, mas preferencial pelos pobres e pelos jovens, como se diz originalmente: essa expressão tem suas raízes no Concílio Vaticano II, na Gaudium et spes e também na Doutrina Social da Igreja. É claro, não caiu do céu como uma estrela, mas vem do núcleo, do centro da missão da Igreja. Certamente, os bispos, os sacerdotes, os leigos da América Latina têm essa preferência porque esses temas são urgentes, mais urgentes do que em nossos países europeus ou nos EUA. O Papa Francisco sempre diz: ‘Aquilo que nós – a Igreja – podemos dar aos pobres é, sobretudo, o Evangelho’, essa nova notícia, que Jesus morreu e ressuscitou por todos os homens. Por conseguinte, devemos também ocupar-nos da promoção integral e do desenvolvimento de todos os homens: todos têm o direito fundamental de participar dos bens materiais, culturais, sociais da humanidade. O Papa Francisco abriu-nos novamente a isso, fazendo-nos ver isso direta e concretamente. Esse é o grande desafio que existe no mundo inteiro. Penso que por isso o Papa Francisco tem uma grande reputação e dá um grande impulso não somente à Igreja, mas também à humanidade. Essa é a sua importância e o seu papel no mundo de hoje.”
RV: O último capítulo do livro oferece uma abordagem sobre critérios teológicos para a reforma da Igreja e da Cúria Romana. No contexto dessa sua abordagem, como se situa o processo de reforma empreendido pelo Papa Francisco desde o início de seu Pontificado?
Card. Müller:- “Há muito tempo todo mundo fala de uma reforma da Cúria Romana ou da Igreja, mas é preciso distinguir uma reforma de um ente humano: trata-se aí da Igreja, e da Igreja fundada por Jesus Cristo, e, portanto, uma obra, um opus de Deus. E não somos capazes de reformar a Igreja, como se fosse quase um objeto em nossas mãos. Quando se fala da Cúria Romana deve-se ver, por primeiro, de que se trata. A Cúria Romana não é um aparato burocrático que administra a Igreja; esse é um pensamento por demais mundano! Trata-se, em primeiro lugar, de uma reforma espiritual onde a espiritualidade impele e motiva todos os participantes ao trabalho da Cúria Romana. A reforma da Cúria: muita gente, os jornalistas falam, particularmente, sobre a reforma no sentido de uma nova organização exterior, mas isso é de importância secundária. A reforma mais importante é a do espírito enquanto espírito de serviço, espírito de acolhimento. Nesse sentido, precisamos de uma reforma da Cúria. O próprio Papa falou não somente da reforma da Cúria, mas também da reforma da Igreja inteira, de todos os ordinariatos, vacariatos, das várias dioceses... É importante que haja um novo espírito não somente na burocracia e na administração. Como os membros da Cúria se consideram? Consideram-se empregados de uma organização ou são os representantes da Igreja que é o Corpo de Cristo, o templo do Espírito Santo, o Povo de Deus? O Santo Padre ressaltou a importância do exercício para toda a Cúria Romana, para uma Congregação singularmente considerada. A oração, a união com Deus com Jesus Cristo é a fonte da qual provém o nosso espírito.”
RV: Quais são os maiores dons que o Papa Francisco e o Papa Bento XVI deram e que, na realidade, continuam dando?
Card. Müller:- “Todos sabemos que o Papa Bento XVI é um teólogo de nível extraordinário, excepcional, mas não é somente um teólogo, não podemos cair neste clichê. Não foi somente ‘um professor alemão!’ Tem muita experiência na pastoral, escreveu muitos livros sobre a espiritualidade, sobre os grandes desafios da vida moderna, escreveu, pregou e deu explicações de altíssimo nível também intelectual e isso significa que o cristianismo tem uma intelectualidade própria. Somos capazes de dar respostas a todas as perguntas que existem a nível do Logos, não somos uma religião de sentimentos, de superficialidade, mas a fé entra diretamente em todas as questões existenciais do homem. O Papa Francisco vem do próprio contexto, a América Latina, há 500 anos uma grande região de fé católica com uma grande maioria de fiéis católicos. É positivo que entre essa dimensão cultural no catolicismo universal, para de certo modo superar o euro-centrismo... Neste mundo da globalização, da universalidade, é um bom sinal e podemos interpretá-lo como um sinal do Espírito Santo o fato de os Papas não serem provenientes somente da Europa ou de alguns países europeus. A nacionalidade não constitui um obstáculo a tornar-se um candidato para o Papado... O Espírito Santo é livre para escolher mediante os cardeais!”