A PEC 241
Foto: Lula Marques / AGPT (25/10/2016)
Na semana que passou, a Câmara Federal aprovou, em segundo turno, a Proposta de Emenda à Constituição - PEC 241/2016, de autoria do Poder Executivo. Essa Proposta está sendo encaminhada, agora, ao Senado Federal, para a devida tramitação.
Se um repórter saísse pela cidade de Salvador, ou por qualquer cidade do país, perguntado: O que você acha da PEC 241?, já sabemos que respostas ele receberia - quer dizer, que não-respostas, porque a maioria diria simplesmente que não tem ideia do que seja essa Proposta de Emenda à Constituição. Não tem ideia, mas sofrerá suas consequências, ainda mais que ela vigorará por vinte anos.
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB viu a necessidade de publicar uma Nota, para esclarecer seu posicionamento frente à aprovação desta PEC que pouco ou nada foi discutida pela sociedade brasileira. Assim, na reunião do Conselho Permanente, em Brasília, de 25 a 27 de outubro passado, o tema foi amplamente discutido. Nós, bispos, não temos respostas para os problemas ou desafios técnicos; não é esta a nossa especialidade. Temos, sim, uma visão do mundo e do ser humano que tem suas raízes no Evangelho. Essa visão transparece em nossas declarações, qual voz profética. Sabemos que, desde o Antigo Testamento, os profetas nunca foram bem recebidos, pois, com suas observações, incomodavam e incomodam.
Destaco cinco pontos da Nota que a CNBB emitiu.
1º - Apresentada como fórmula para alcançar o equilíbrio dos gastos públicos, a PEC 241 limita, a partir de 2017, as despesas primárias do Estado – educação, saúde, infraestrutura, segurança, funcionalismo e outros – criando um teto para essas mesmas despesas, a ser aplicado nos próximos vinte anos. Significa, na prática, que nenhum aumento real de investimento nas áreas primárias poderá ser feito durante duas décadas. No entanto, ela não menciona nenhum teto para despesas financeiras, como, por exemplo, o pagamento dos juros da dívida pública. Por que esse tratamento diferenciado?
2º - A PEC 241 é injusta e seletiva. Ela elege, para pagar a conta do descontrole dos gastos, os trabalhadores e os pobres, ou seja, aqueles que mais precisam do Estado para que seus direitos constitucionais sejam garantidos. Além disso, beneficia os detentores do capital financeiro, quando não coloca teto para o pagamento de juros, não taxa grandes fortunas e não propõe auditar a dívida pública.
3º - A PEC 241 supervaloriza o mercado em detrimento do Estado. “O dinheiro deve servir e não governar! ” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 58). Diante do risco de uma idolatria do mercado, a Doutrina Social da Igreja ressalta o limite e a incapacidade do mesmo em satisfazer as necessidades humanas que, por sua natureza, não são e não podem ser simples mercadorias (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 349).
4º - A PEC 241 afronta a Constituição Cidadã de 1988. Ao tratar dos artigos 198 e 212, que garantem um limite mínimo de investimento nas áreas de saúde e educação, ela desconsidera a ordem constitucional. A partir de 2018, o montante assegurado para estas áreas terá um novo critério de correção que será a inflação e não mais a receita corrente líquida, como prescreve a Constituição Federal.
5º - É possível reverter o caminho de aprovação dessa PEC, que precisa ser debatida de forma ampla e democrática. A mobilização popular e a sociedade civil organizada são fundamentais para superação da crise econômica e política. Pesa, neste momento, sobre o Senado Federal, a responsabilidade de dialogar amplamente com a sociedade a respeito das consequências da PEC 241.
Por fim, o que está no começo da Nota: “Não fazer os pobres participar dos próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida” (São João Crisóstomo, século IV).
Autor: Dom Murilo S.R. Krieger
Arcebispo de Salvador