Homilias de Dom Fernando Antônio Figueiredo
Mc 4,35-41 - Tempestade acalmada
Ventos e águas revoltas. No meio do lago, lá pela hora do crepúsculo, encontram-se Jesus e os discípulos numa barca, sacudida pelo vento, que fazem as ondas despencarem sobre eles. Os apóstolos, marinheiros de profissão, pressentem o perigo. Na popa, tomado pelo cansaço, Jesus dorme; a agitação das águas e o choque do barco contra as ondas não o perturbam. Apavorados, eles clamam pelo Mestre, que intrépido, de pé, coloca-se ante o vento e o mar, e grita: “Silêncio! Cala-te!”. À diferença do salmista ou de Jonas, que invocam o auxílio de Deus, Jesus age por Ele mesmo, o que suscita a exclamação dos Apóstolos: “Que homem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?”. Três séculos mais tarde, S. Atanásio declara: “Aquele que ordenou ao mar não era uma criatura, mas sim o Criador”.
Desde o início, os cristãos leem neste milagre a figura da Igreja. A tempestade e as ondas em reboliço lembram a violência da morte do Senhor e as turbulências pelas quais a Igreja há de passar ao longo de sua história. Mas, a exemplo dos Apóstolos, ela confia no Senhor, que lhe trará paz e bonança. Diz Orígenes: “Todos vós que navegais na barca da fé, todos vós que passais através das ondas deste mundo na barca da Igreja santa com Cristo, embora Ele durma em piedoso descanso, vigiam vossa paciência e perseverança. Com ardor, aproximai-vos dele, insistindo com orações”.
Jesus dorme. Seu silêncio fala da constante e serena presença daquele que tudo pode, ainda que por vezes, pareça não estar atento às necessidades e perigos dos que nele esperam. Observa S. Agostinho: “Se naufragas, é porque Cristo dormiu em ti. Esqueceste o Cristo. Desperta o Senhor e traze-o à memória. Despertar Jesus é pensar nele. Nasce a tentação, eis o vento; perturbação que te vem, eis as ondas. Desperta Cristo e Ele falará contigo e tu exclamarás: ‘Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?’”.
Há tanto tempo estavam os Apóstolos com Jesus, e não tinham ainda tomado consciência de que, mesmo estivesse Ele dormindo, nada havia a temer! Às suas palavras, a tempestade cessou completamente. Pasmos, mas fortalecidos interiormente, os Apóstolos ressurgem para uma vida de comunhão com Cristo, que os conduz a uma confiança inabalável em Deus. Dia após dia, eles crescem na sublime experiência do amor divino e entregam-se a Jesus, numa alegria indizível, pois estar com Ele é garantia da presença salvadora de Deus.
Dom Fernando Antônio Figueiredo, ofm