Exercícios espirituais: reencontrar a unidade em torno da Ceia do Senhor
Papa Francisco e membros da Cúria Romana durante retiro espiritual em Ariccia, nas proximidades de Roma
Ariccia - “O pão e o corpo, o vinho e o sangue” foi o tema que o padre franciscano Giulio Michelini desenvolveu na terceira meditação proposta na manhã desta terça-feira ao Papa e à Cúria Romana, durante os Exercícios espirituais em andamento em Ariccia, nas proximidades de Roma.
O pregador extraiu da oferta total de Jesus em corpo e sangue para a salvação da humanidade uma mensagem de unidade e partilha para todos os cristãos.
Na Última Ceia: festa e comunhão, mas também pecado e fragilidade
A dimensão antropológica, teológica e existencial do cear juntos. Daí partiu a meditação do frade menor. “Colocou-se à mesa com os Doze” – está escrito no Evangelho segundo São Mateus –, neste cear juntos está a beleza da partilha, explicou o pregador, mas também a nossa humanidade, o pecado e a fragilidade simbolizados no alimento, como narram muitos episódios bíblicos, até a encíclica “Laudato si” do Papa Francisco, quando fala de egoísmo em relação ao alimento:
“Podemos imaginar o que deve ter acontecido naquela ceia. Era uma festa: naturalmente os teólogos e os exegetas discutem muito sobre o carácter pascal ou não dessa ceia. Mas é claro que era belo para eles estar juntos. Estar juntos evidencia também a nossa humanidade. E esses elementos estão presentes na ceia de Jesus: o primeiro, o do amor, com o qual essa ceia foi preparada, e o amor que Jesus ofereceu com o alimento que doou. Mas há também, nessa ceia, o ódio, a fragilidade, a divisão. Comer o alimento, se pensamos bem, tem a ver propriamente com uma dimensão humana.”
É a dimensão da fraqueza, do reconhecer-se não autossuficientes, e comer juntos é confessar aos outros essa condição de criatura, “condição limitada”, como a que emerge também das ceias dos primeiros cristãos narradas por São Paulo aos Coríntios, e marcadas – observou Pe. Michelini – pelo apego de cada um ao próprio alimento e por uma falta de verdadeira partilha.
E é emblemático que propriamente naquele quadro de fragilidade da Última Ceia se apresente a traição de Judas, que ele de há muito tramava.
Jesus deixa o sinal da sua futura presença: doa todo seu ser em corpo e sangue
Porém, prosseguiu o pregador franciscano, é igualmente emblemático que propriamente na noite em que foi traído, Jesus não retirou seu dom e doou tudo aquilo que tinha para dar: corpo e sangue. Justamente através do alimento comido juntos, Jesus deixa um exemplo e o sinal da sua futura presença:
“Para nós que cremos em Jesus, é justamente a Palavra que se fez carne. E portanto, tudo aquilo que Jesus, o filho, tinha oferecido de si, a sua divindade, tinha sido oferecido com a Encarnação. Tudo aquilo que o Filho, que o Verbo e a Palavra podia oferecer, na sua divindade, foi oferecido com a Encarnação. Com diz Paulo: ‘Jesus, mesmo sendo de condição divina, não considerou um privilégio o ser igual a Deus’. Portanto, eis que com aquele pão agora a sua humanidade devia ser doada. É claro, naquela humanidade também estão o Filho de Deus e a Palavra. Mas aquele pão é propriamente a carne, porque é nessa carne que aquela Palavra se tornou tal; e, portanto, o Corpo e o Sangue. Jesus é totalmente pobre, não porque viveu simplesmente de forma pobre, mas porque não tem mais nada a defender. De fato, se pensamos bem, justamente nesta ceia doa tudo aquilo que lhe restava.”
Somente com a Paixão se tem a remissão dos pecados
Ao invés, é nas palavras de Mateus sobre o cálice, naquela Última Ceia, frisou ainda o pregador, que ressalta um elemento original, ou seja, o sangue de Jesus ligado ao perdão dos pecados.
“Será derramado por muitos, para a remissão dos pecados. Por fim, quem lê esse Evangelho descobre o significado do nome de Jesus, “Deus salvará”, e entende o modo como o fará, isto é, a Paixão:
“A fórmula que Jesus recita não é uma simples fórmula; não é algo de extrínseco. Podemos também ousar dizer que é muito fácil: ‘Deus lhe quer bem’. É muito fácil dizer: ‘Deus lhe perdoa’. No fundo, não nos custa nada dizer: ‘Seus pecados estão perdoados’. Mas somente aí, com o sangue derramado, finalmente então emerge o modo com o qual os pecados serão perdoados: isto é, com a morte de Cristo. Porque, como diz o Salmo, somente Deus pode pagar o preço do pecado. O homem não pode resgatar a si mesmo. E como lemos no Livro do Levítico, e Mateus conhece bem esta simbólica judaica, o pecado é redimido somente com o derramamento do sangue.”
Os cristãos cresçam na unidade e partilha
Por fim, ao término da meditação, Pe. Michelini propôs três perguntas para a reflexão. A primeira diz respeito a nossa relação com o alimento e pede para não se ter apegos, mas domínio de si; a segunda é um convite a crescer ainda na unidade entre cristãos, como discípulos em torno da ceia com Cristo; e a última é uma pergunta sobre o perdão e pede para ser verdadeiramente conscientes de que Jesus não somente com palavras, mas verdadeiramente, com a própria vida, alcançou para nós a misericórdia do Pai.