Sexta meditação nos Exercícios espirituais: os sonhos de Deus e a sede de poder
Papa Francisco e membros da Cúria Romana durante os Exercícios espirituais da Quaresma
Ariccia - O pregador dos Exercícios espirituais propostos ao Papa e à Cúria Romana, Pe. Giulio Michelini, fez na parte da tarde desta quarta-feira (08/03) a sexta meditação, a qual foi centralizada no processo sofrido por Jesus e a mulher de Pilatos (Mt 27,11-26).
Tratou-se de uma meditação escrita com a participação de um casal de esposos, os cônjuges Mariateresa Zattoni e Gilberto Gillini, com os quais o religioso franciscano colabora há vários anos pregando exercícios espirituais às famílias e para outros encontros de formação, e com os quais escreveu vários livros que apresentam uma dúplice forma de leitura do texto bíblico, exegética e contextual familiar.
O frade menor disse que a leitura e a exegese da Sagrada Escritura não são prerrogativa dos consagrados ou dos especialistas, e que os casais e as famílias devem ser ajudadas a praticá-las, algo que até agora não parece ter sido feito pela Igreja de modo convicto, afirmou Pe. Michelini.
Num primeiro ponto, o pregador deteve-se sobre a escolha feita por Pôncio Pilatos, entre Jesus e Barrabás, e recordou a interpretação reportada por Bento XVI em relação a uma variante textual registrada por Orígenes, sobre o nome de Barrabás, o mesmo de “Jesus”.
Em seguida, explicou como isso é importante para entender o complexo sistema com o qual o evangelista São Mateus vê a eficácia do sangue de Jesus para o perdão dos pecados. Porém, esse sistema teológico apresentado por Mateus não nos deve levar a perder de vista a dimensão humana de um fato aparentemente evidente e que é de uma gravidade inaudita: dois homens – e não simplesmente dois cabritos (como os que Mateus teria imaginado, reconstruindo a cena do Yom Kipur para ilustrar a morte do Messias) – estão um diante do outro, e somente um sobreviverá.
O pregador dos Exercícios espirituais evocou o romance de William Styron, A Escolha de Sofia, no qual fala de uma jovem mãe obrigada por um oficial nazista a escolher qual dos dois filhos ser assassinado.
Pe. Michelini concluiu que, infelizmente, durante séculos o povo judeu foi acusado pelos cristãos de deicídio. Definitivamente, essa acusação absurda foi desfeita em todos os níveis. Mas não podemos esquecer que segundo a paixão narrada por São Mateus essa acusação jamais deveria ter tido êxito, nem mesmo do ponto de vista simplesmente lógico: porque, como no caso de Sofia, que é obrigada a escolher que sua própria garota seja assassinada, a responsabilidade dessa terrível decisão é de quem colocou a multidão na condição de escolher, ou seja, o prefeito romano.
No segundo ponto, Pe. Michelini leu a contribuição dos cônjuges Gallini-Zattoni. Eles evidenciaram como no jogo de poder masculino, a cumplicidade entre um sumo sacerdote e Pilatos, irrompe a voz tênue de uma mulher, mas somente através de um mensageiro, porque “enquanto os homens jogam sua partida não lhe é permitido aproximar-se”.
A mulher de Pilatos pode, porém, legitimar-se diante destes homens porque, diz, “muito sofreu” (Mt 27,19) por causa daquele “justo”, Jesus.
Por fim, foram examinados os cinco sonhos do Evangelho da infância segundo São Mateus, e o sonho da mulher de Pilatos. Esses sonhos devem ser vistos em seu conjunto, porque apresentam aquilo que podemos chamar o “sonho de Deus”: a salvação do Filho (que mediante os sonhos do início do Evangelho escapa de quem quer matá-lo).
Mas se José e os Magos entendem aquilo que devem fazer, e apesar da fragilidade daquilo que receberam o colocam em prática (segundo o midrash, o sonho é somente “um sexagésimo” da profecia); Pilatos, por sua vez, não ouve a voz da mulher, não ouve os sonhos, – como Herodes – está interessando unicamente em preservar o poder.