Homilias de Dom Fernando Antônio Figueiredo
Lc 11,14-23 - Jesus e Belzebu
O Evangelho é a notícia alegre da salvação para todos os que “estão acordados” ou, em outras palavras, estão vigilantes, aguardando a vinda do Reino de Deus. Nessa comunidade, na qual Deus é reconhecido como um Pai de bondade, e a solidariedade e o amor são o cerne da Lei, os milagres, realizados por Jesus, levam a crer nele como aquele que “veio de Deus”; e esta é a compreensão de Nicodemos, do cego de nascença e de todos os que reconhecem nele o Messias esperado. Mas para outros, os milagres resultam de um poder que, estando além do controle deles, é humanamente discutível. Neste sentido, numa interpretação hostil a Jesus, os escribas, descidos de Jerusalém, dizem: “É por Belzebu, príncipe dos demônios, que Ele expulsa os demônios”.
O título Belzebu liga-se a textos antigos e designa o primeiro dentre os inimigos de Deus, aquele que está à frente e governa as forças do mal. Em clima de polêmica com fariseus e escribas, Jesus é apresentado como “o grande adversário”, o falso profeta, que levava o povo à apostasia. Em contraste com os seus opositores, Jesus é descrito como revelador de um amor não só criador, mas recriador, fonte de vida nova, mesmo para os que o acusam e difamam, contanto que eles acolham a sua oferta de salvação. Daí o fato de alguns o definirem como o derradeiro pregador da metanóia, conversão, dos tempos escatológicos.
Por conseguinte, no presente relato, o tema central não é propriamente o milagre, nem a luta entre a luz e as trevas, mas a chegada da salvação, aguardada para o fim dos tempos: com Jesus, inicia-se o tempo de salvação, em que todos são convocados para a observância da verdadeira “Lei de Deus”: o mandamento do amor, no qual todos os povos serão reunidos numa só comunidade.
Em seguida, segundo S. João Crisóstomo, “Jesus afirma que o fato de expulsar os demônios, como acabara de fazer, é obra de um poder grandíssimo e sinal da vinda do Reino de Deus”. Ele o faz ‘pelo dedo de Deus’, que quebra o poder do reino do Mal e não deixa nada mais do que os despojos, isto é, as ovelhas perdidas da casa de Israel, que também farão parte da única humanidade futura.
Essa universalidade de Jesus, que compreende todos os povos, particularmente o povo de Israel, é a revelação do verdadeiro rosto de Deus e o sentido positivo e vital do “ser humano”. A eleição, anunciada a Abraão e à sua posteridade, torna-se irrevogável; os que sentem em seus corações sua bondade, ternura e misericórdia reconhecem ser Ele tão profunda e verdadeiramente humano, que exclamam, com o centurião, ao pé da cruz: “De fato, este era Filho de Deus”.
Dom Fernando Antônio Figueiredo, ofm