Homilia: 19 Domingo Comum - Ano A
Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Irmãos e irmãs, Deus é sempre surpreendente em seus caminhos. Nossa relação com Ele é daquelas onde a monotonia e o tédio não encontram lugar. Deus é surpreendente, pois sendo Amor é constantemente movido a se dar a nós e a ser buscado por nós. Não há quem, uma vez amando, que se coloque numa atitude de marasmo e indolência. É próprio da natureza do Amor se dar e ser buscado, e é nesse movimento, mesmo produzindo a calma, o repouso, a felicidade, enfim, que se caracteriza toda relação de genuíno amor.
Semana passada, havia dito que o amor é uma partilha de vida, mais do que simplesmente um sentimento movido por interesses mesquinhos e egoístas e isto em razão de que o interesse do amor é o não-interesse e este nada mais é do que ver em tudo o ser amado ser feliz. Sua felicidade é seu interesse. Se há no amor algum interesse possível é esse: o bem do amado. Ora, considerando isto, como tal objetivo de vida pode levar ao cansaço, à monotonia, ao marasmo?... Deus nos ama assim. Sua felicidade e alegria é nossa felicidade e alegria, mas estas de modo verdadeiro, não ilusório e por isso, constantemente nos ensina o modo justo de encontrá-Lo, nos atraindo para o eterno abraço...
Hoje as leituras que ouvimos nos iluminam e dão sentido à esta nossa busca. A I leitura narrou-nos o episódio de Elias que obedecendo ao Senhor subiu ao Horeb e esperou-o. Era necessário voltar à fonte da fé e do amor, o Monte de Deus. Houve os sinais da manifestação de Deus: “uma forte rajada de vento”; um terremoto; um fogo. Em nenhuma destas manifestações que chamam a atenção, o Senhor estava. Era dessa forma que os israelitas costumavam perceber a presença de Deus. Também nós gostaríamos que assim o Senhor sempre se manifestasse em nossas vidas: com poder e glória! Mas de que modo o Senhor mostrou-se a Elias? “Depois do fogo, ouviu-se uma ligeira brisa”... Uma ligeira brisa... Realidade quase imperceptível... A maior parte da nossa vida é comum, sem grandes acontecimentos. Somente, aqui e ali, alguns grandiosos que iluminam todo o resto que é também como brisa suave... E nós, tão desatentos, achamos que a nossa vida não tem sabor nem sentido, porque não é como o trovão, como o terremoto, não é como o fogo ou um forte vento a fundir a rocha... Como somos insensatos, tolos e lentos para percebermos a suavidade da Vida e do Amor! A nossa vida e a nossa felicidade não pode consistir no brilho de fogos de artifício que iluminam a noite, mas quase não duram!...
O Senhor faz-se presente, na ligeira brisa... Esta imagem chega a ser comovente, mas ao mesmo tempo, possui uma força tremenda a fundir nosso modo de conceber a manifestação de Deus.
Caros irmãos, dia 04 foi o dia dos Padres. Com o dom do sacerdócio à sua Igreja, o Senhor quis dar algo muito maior. Quis, pelo Sacerdócio dar-Se a Si mesmo. É pelo Ministério Sagrado dos Sacerdotes, que o Senhor continuamente se faz presente na Igreja e, por Ela, no mundo e em nossas vidas. O Senhor faz-se presente! O Senhor! Mas, como ligeira brisa... O Onipotente e Bom Senhor, o Criador de todas as coisas envia seu Espírito para transformar o pão e o vinho, alimentos ordinários, através do Seu Sacrifício, no Seu Corpo e Sangue. O Evento da nossa Salvação, a Morte e a Ressurreição de Cristo se faz presente diante dos nossos olhos, sob o véu do Sacramento. Deus, caros irmãos, Deus Altíssimo desce dos Céus às palavras pronunciadas pelo Sacerdote, tornadas presente aos nossos ouvidos pela voz de um pobre pecador... Deus “obedece a um pecador”!... É a audácia do Amor! Dá-se porque ama; ama por isso se dá; dá-se porque quer unir-se; quer unir-se porque somente assim haverá a felicidade do amado na santificação que produz...
Isto é belo e assombroso ao mesmo tempo! Mas consideremos como Deus realiza tal prodígio. Sob frágeis sinais ordinários do pão e do vinho, através de um que Ele tira do meio do povo para devolvê-lo como servidor deste mesmo Povo Seu... Mas muitos não querem, não aceitam, não crêem que o Amor seja sim audaz. Sim, não crêem porque não amam. Somente os que amam, entendem a lógica ilógica do amor que muitas vezes parece loucura...
Mas Deus ama a tal ponto de não temer ser rejeitado por nós, seus amados. Ele o faz de modo a não se impor e também a não atrair pelo brilho de bijuteria ou dos fogos de artifício. Ele quer que nós o busquemos e a Ele nos entreguemos...
Consideremos o Evangelho. A Barca de Pedro é símbolo da Igreja, o mar agitado símbolo da história e das adversidades. Ela está agitada pelos ventos contrários... Assim, é uma cena em que contemplamos a história da Igreja em todas as épocas, história também da nossa vida cristã tantas vezes agitada para lá e pra cá... E o Senhor parece ausente, retirado, sozinho... Mas em tudo isso, Ele também vem ao nosso encontro sobre as águas do mar da vida... Mas nós não O reconhecemos como os discípulos; também nós gritamos de medo, de pavor por não compreender a audácia do Amor que vem ao nosso encontro. Mas o Senhor nos diz: “Sou Eu. Não temais”! Mas como Pedro desafiador, também pedimos: “Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas”. O Senhor responde: “Vem”! E nós, com fé vacilante, porque queremos grandes sinais não compreendendo a audácia do Senhor, afundamos… E só mesmo quando estamos afundando, gritamos: “Salva-me Senhor!” Ao que o Senhor nos estende a mão, não sem nos repreender como a Pedro: “Homem de pouca fé, porque duvidaste?”
Assim somos nós!... Pobres de nós que queremos ventos fortes, terremotos e fogo… mas não a ligeira brisa do Amor que se arrisca, mesmo sobre as ondas revoltas… queremos também andar sobre ondas, mas sem a devida fé… movida pelo interesse, mas não pelo amor...
Há ainda outro ponto. A nossa salvação só se dá, os ventos contrários somente se acalmam quando entramos na Barca da Igreja. Sim, pois é o lugar em que o Senhor nos quer salvar e manter em segurança; é ela o estandarte de salvação erguido entre as Nações para tornar presente no mundo o próprio Deus pela Sua Palavra, pelos Sacramentos e pela vida da Graça, posto que Israel não quis, pelo que São Paulo se lamenta e se dispõe a oferecer a vida; mesmo que, caros irmãos, o mundo e muitos a ataquem de fora e de dentro ao longo da História e no nosso tempo, é nela, na Igreja, o lugar onde todos somos chamados a confessar, prostrados e com o rosto coberto, sobre as ondas revoltas, vencidas pelo poder de Cristo: “Tu és verdadeiramente o Filho de Deus.”
E à Igreja, e nela a nós, que Ele diz como à Esposa do Cântico dos cânticos 2, 11-13: “Levanta-te, amada minha, formosa minha, e vem. Pois eis que já passou o inverno; a chuva cessou, e se foi; aparecem as flores na terra; já chegou o tempo de cantarem as aves, e a voz da rola ouve-se em nossa terra. A figueira começa a dar os seus primeiros figos; as vides estão em flor e exalam o seu aroma. Levanta-te, amada minha, formosa minha, e vem”. Caminhemos, pois, confiantes sobre as águas revoltas; não temamos, mas escutemos a voz do Amado que se arrisca continuamente, por amor, se oferecendo a nós... E digamos, como a Esposa: “O meu Amado é meu e eu sou dele”! (Ct 2, 16).
Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Autor: Prof. Pe. Mestre Samuel Pereira Viana Nascido em Duque de Caxias (RJ) e Ordenado Presbítero na Diocese de Santo Amaro. Mestre em Teologia Dogmática pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
Pároco: Paróquia São José (2008- atualmente)