O SIGNIFICADO DA ORAÇÃO NA BÍBLIA
Em todas as religiões a Oração é um ato de comunicação, que ativa uma ligação, uma conversa, um pedido, um agradecimento, uma manifestação de reconhecimento ou, ainda, um ato de louvor diante de um ser transcendente ou divino. A Oração pode ser individual ou comunitária e ser feita em público ou em particular, e pode envolver o uso de palavras ou música.
Quando a linguagem é usada, a Oração pode assumir a forma de um hino, encantamento, declaração de credo formal, ou uma expressão espontânea da pessoa fazendo a Oração. Existem diferentes formas de Oração, como a de súplica ou de agradecimento, de adoração/louvor etc.; da mesma forma, a Oração pode ser dirigida a um Deus, Espírito, pessoa falecida, ou a uma ideia, com diversos propósitos. Havendo pessoas que rezam em benefício próprio, ou para o bem dos outros; ou ainda pela consecução de um determinado objetivo.
A maioria das religiões envolve momentos de Oração. Algumas criam ritos especiais para cada tipo de Oração, exigindo o cumprimento de uma sequência estrita de ações ou colocando uma restrição naquilo que é permitido rezar; enquanto outras ensinam que a Oração pode ser praticada por qualquer pessoa espontaneamente a qualquer momento e em qualquer lugar.
A Oração pressupõe acreditar num Deus pessoal e na possibilidade de estabelecer uma comunicação direta com ele, sendo por isso a expressão mais espontânea do desejo de Deus por parte do homem. Este desejo humano é testemunhado por todas as religiões e, em especial, por toda a história da salvação cristã, onde Deus foi o primeiro que procurou atrair a humanidade num encontro misterioso de Oração.
NO ANTIGO TESTAMENTO
No antigo Testamento foi usada a palavra hebreia: tefilá, Oração para descrever a ação de “julgar”, “diferenciar”, “esclarecer” e “decidir”. Portanto, a Oração é o anelo da alma por definir o que é realmente importante e ignorar coisas que passam sem ser essenciais. Por isso, a tefilá, Oração, é um processo no qual se avalia as circunstâncias e se toma uma decisão, isto é, o sujeito atua sobre si mesmo. A Oração é um processo de auto avaliação, autodiscernimento, é um processo que permita ao homem se retrair do tumulto da vida para um pequeno espaço particular, afim de reforçar os laços que o unem ao verdadeiro propósito da vida. É estabelecer uma comunicação com Deus, sua obra criadora e o plano de salvação que Deus tem para cada homem em particular, isto é, achar seu lugar e seu papel no cosmos.
É possível encontrar uma primeira indicação sobre Oração em “Também Set teve um filho, que chamou Enós, o primeiro que invocou o nome do Senhor” (Gn 4,26). Aqui está uma característica essencial da Oração que é a direção a Deus o invocando e acreditando profundamente que Deus escuta e responde estabelecendo uma comunicação de dupla mão.
Abraão também tinha grande intimidade com Deus, em qualquer lugar que ele chegava construía um altar e adorava Deus. Ele tinha uma vida de profunda comunhão com Deus a ponto de ser chamado “amigo de Deus”. Quando Deus resolveu a dar cabo a Sodoma e Gomorra, Ele comunicou seu amigo Abraão antes de tudo.
Neste tempo patriarcal, a Oração consistia em invocar o nome do Senhor (Gn 12,8) em forma familiar e isto se tornou o centro das comunicações com Deus (Gn 15,2-21; 24,12-14). Outra forma foi associada ao sacrifício (Gn 13,4) o que sugere que na Oração há união à vontade de Deus, abandono e submissão do eu a Deus como no caso de Jacó (Gn 28,20-22).
Moisés, também, orou pelo seu povo, quando pecaram e foram atacados por serpentes, então “Moisés rezou ao Senhor pelo povo” (Nm 21,7). Aqui se encontra um outro elemento da Oração que é o amor ao próximo e o apelo à misericórdia. Também se encontra no cântico de Moisés o reconhecimento da grandeza de Deus “vou proclamar o nome do Senhor: reconhecerei a grandeza do nosso Deus. Ele é Rocha, suas obras são perfeitas, seus caminhos são justos, é um Deus fiel, sem maldade, é justo e reto” (Dt 32,3-4).
Depois da saída do Egito, e a caminho da terra prometida, a Oração tornou-se primordial para pedir intercessão, a Oração não é somente pela própria pessoa que ora, mas pelos outros também (Ex 32,11-12; Nm 11,11-15, Dt 9,12,21), aqui a pessoa que ora assume o papel de mediador entre Deus e os homens, deixando livre Deus para que execute a sua vontade. Moisés pede para que o Senhor lhe ensine o caminho, e que o acompanhe na viagem (Ex 33,12-16), o tratamento amistoso com o Senhor é aproveitado em favor do povo. A companhia do Senhor na peregrinação pela história será o distintivo deste povo (Dt 4,7). Quando chegam perto da terra prometida a Oração torna-se uma ação de graças pelo cumprimento da promessa onde se promete obediência (Dt 26,1-15).
No Antigo Testamento existem muitos exemplos de orações onde a comunicação com Deus é uma fala do ser humano para com Deus. Uma conversa espontânea, diferente de um recital decorado. Alguns exemplos podem ser vistos nas orações de Davi (1Cr 29,11-13), Jonas (Jn 2,1-10), Neemias (Ne 2,4), Ezequias (Isaías 38,1-5).
No período profético a Oração é indispensável para o ministério dos profetas. Por exemplo enquanto o rei Acabe comeu e expressou a sua alegria, Elias subiu para o topo do monte Carmelo para orar (1Rs 18,42). Assim como, também, Moisés tinha o hábito de falar com Deus no topo do monte Sinai (Ex 31,18 e 32,1). O profeta Elias orou repetidamente, e o sétimo aviso revelou a existência de uma pequena nuvem. E a pequena nuvem produziu uma poderosa chuva. Era a graça interventora de Deus (1Rs 18,44). Para Jeremias a Oração era a condição essencial para realizar a sua missão (Jr 18,19-23), Oração de companheirismo com Deus (Jr 10,23-25).
O livro dos Salmos é um belo aprendizado de formas e modelos espontâneos de Oração, são orações de culto (Sl 24,7–10; 100; 150), há orações de pessoas que buscam o perdão (Sl 51), comunhão (Sl 63), protecional (Sl 57), sanação (Sl 6), e súplica (Sl 103). “Aleluia. Dai graças ao Senhor porque é bom, porque é eterna sua misericórdia” (Sl 106,1), o agradecimento ao eterno Deus se manifesta na Oração e na glorificação.
Durante o exílio do povo de Israel surgem as sinagogas e configuram-se os rituais para reforçar as orações e, de alguma forma, esquematizar uma liturgia que buscava a presença pessoal de Deus (Sl 63; 100,2) e recebiam sua benção em função desta presença (Sl 80, 3,7,19).
Depois do exílio, continua-se insistindo no culto, na lei, no ritual e no sacrifício, por isso as orações são mais instrutivas (Esd 9,6-15; Ne 1,5-11; 9,5-38). Não existiam ainda regras para a postura no momento de fazer orações (Sl 28,2; 1Rs 18,42; Lm 3,41; Dn 9,3), nem horas marcadas para fazer Oração, portanto eram feitas em qualquer momento e lugar.
“Cria em mim, Deus, um coração puro, renova-me por dentro com espírito firme; não me expulses longe do teu rosto, nem me tires teu santo Espírito; devolve-me a alegria da salvação, sustenta-me com espirito generoso” (Sl. 51,12-14). Justamente estas petições são as que testemunham o que é importante para quem ora com fé.
Algumas orações do Antigo Testamento refletem uma riqueza espiritual que, mais tarde, dará origem as orações do Novo Testamento, como no caso a Oração de Ana que depois de pedir a graça de um filho e ter sido concedida, volta para agradecer o favor concedido (1Sm 2,1-10) cujo conteúdo é emparentado com o cântico Magnífica de Maria quando responde à saudação da sua prima Isabel (Lc 1,46-55).
A Oração é o único e o mais antigo meio do homem se comunicar com o seu criador de forma sincera e direta. Reis, profetas e sacerdotes se valeram dela em meio as crises espirituais que Israel, povo de Deus viveu.
NO NOVO TESTAMENTO
As palavras gregas usadas na escritura do Novo Testamento para descrever a ação e o ato de orar são o verbo Proseuchomai, “orar” sempre é usado acerca da “Oração” feita a Deus, e é a palavra mais frequente a este respeito, sobretudo nos Evangelhos Sinóticos (Mt, Mc e Lc) em Atos dos apóstolos, em Romanos (Rm 8,26); em Efésios (Ef 6,18); em Filipenses (Fl 1,9); em 1Timótio (1Tm 2,8); em Hebreus (Hb 13,18); em Judas (Jd 20).
Por outro lado, está o substantivo Proseuche, que denota “Oração” a Deus, o termo mais frequente, ocorre em (Mt 21,22; Lc 6,12); no caso acusativo “Oração a Deus”. O termo grego Proseuche é um composto das palavras Pros e Euche.
O termo Pros é uma preposição que tem o significado “cara a cara”, o evangelista João a utiliza em “No princípio já existia a Palavra e a Palavra se dirigia a Deus e a Palavra estava com Deus” (Jo 1,1). O Termo “com” deriva da palavra Pros, a ideia ou significado que expressa este termo é que existe intimidade, ou seja, o Pai e o Filho tinham uma relação íntima, cara a cara na eternidade.
O termo Euche é uma palavra grega que significa “desejo, anelo, voto”. Era usada para descrever as pessoas que faziam um voto a Deus, seja por alguma necessidade ou “desejo” em sua vida. Este indivíduo faria o voto de dar algo de grão valor para Deus em troca do favor concedido na Oração.
O termo Proseuche, revela duas características importantes da Oração. A Oração coloca o homem “cara a cara” com Deus e em uma relação “íntima” e, portanto, “próxima de Deus”. Então a Oração é o meio que coloca o homem em relação íntima e próxima com Deus. Nessa relação o homem ascende ao plano divino e ao mesmo tempo Deus se abaixa para levantar o homem para mais perto Dele. Neste momento se estabelece um espaço que dá lugar a decisão e rendição de livremente fazer os votos de entregar a vida a Deus em troca da sua vida divina transmitida ao ser humano.
Apesar de Jesus estar intimamente ligado em comunhão com Deus Pai, é considerado o perfeito modelo e mestre de Oração, pois orava em longas vigílias, antes dos momentos decisivos, desde seu batismo até sua morte na cruz. Jesus ensinou também os seus discípulos a orar devota e persistentemente, transmitindo-lhes as disposições requeridas para fazer uma verdadeira Oração.
Também garantiu que seriam ouvidos sempre que a Oração for feita de coração, porque a sua Oração está unida a Oração de Jesus por meio da fé, por isso “perdi e recebereis, para que vossa alegria seja completa” (Jo 16,24).
Nos evangelhos há muitas referências de Jesus orando, comumente os teólogos dividem estes momentos em quatro grupos. Primeiro, orações em momentos críticos de sua vida: seu batismo (Lc 3,21); a eleição dos apóstolos (Lc 6,12-13); quando confessa ser o messias (Lc 9,18); sua transfiguração (Lc 9,29); antes do seu martírio, no horto de Getsemani (Lc 22,39-40) e na cruz (Lc, 23,46). Segundo, as orações durante seu ministério: antes do conflito com os líderes judeus (Lc 5,16); antes de ensinar o Pai Nosso aos seus discípulos (Lc 11,1); depois de alimentar os cinco mil (Mc 6,46). Terceiro, orações durante os milagres: curando as multidões (Mc 1,35); antes de alimentar os cinco mil (Mc 6,41); curando um surdo-mudo (Mc 7,34); levantando Lázaro da morte (Jo 11,41). Quarto, orações para os outros: para os onze, (Jo 17, 6-19); em toda a igreja (Jo 17, 20-26); por aqueles que o pregaram na cruz (Lc 23,34); e por Pedro, (Lc 22,32).
É lógico que os discípulos sabiam orar da forma tradicional que o judaísmo ensinava, mas eles percebem que Jesus o faz de uma forma diferente, por isso um deles pediu “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1b), Jesus então ensinou o Pai nosso (Lc 11,2-4; Mt 6,9-13), esta Oração contém uma invocação e sete pedidos, três em honra de Deus e quatro em favor do homem.
A invocação: “Pai nosso do céu! ”. Três pedidos em honra de Deus: “Seja respeitada a santidade do teu nome, venha teu reino, cumpre-se teu desígnio na terra como no céu”. Quatro pedidos em favor do homem: “dá-nos hoje o pão de cada dia, perdoa nossas ofensas como também nós perdoamos aos que nos ofendem; não nos deixe sucumbir à prova e livra-nos do maligno”. Nesta Oração é sintetizada a dimensão empírica (experiência) com a dimensão transcendente: Pai/céu, reino/venha, terra/céu, perdoamos/perdoa. Para complementar, Jesus ensinou aos seus discípulos que devem pedir em seu nome ao Pai (Jo 14,13 e 16,23-24).
A Oração é fonte de aliança com Deus, de estar perto dele, e a primeira comunidade cristã sabia disso, por isso após a ressurreição de Jesus, vivia unida pela Oração, pela fração do pão (eucaristia) e pelo amor fraterno, os cristãos “eram assíduos em escutar os ensinamentos dos apóstolos, na solidariedade, na fração do pão e nas orações” (At 2,42).
O seguimento de Jesus por parte de Paulo, começa com uma experiência de Oração (At 9,4-9). Paulo encontra Jesus “cara a cara” e tem um diálogo intimo com Ele. A partir desse momento, Paulo sempre vai estar com Jesus (Gl 2,20) e sempre será um homem de Oração acima de tudo. Nas cartas de Paulo é possível encontrar muitas referências de Oração, por ele, pela sua igreja e pelos outros (Rm 8,34). Paulo considera que a Oração é fruto do Espírito Santo (enviado por Cristo) dentro do corpo de Cristo e dentro de cada membro em particular (Rm 8,15-16), é uma Oração para o Pai através do Senhor Jesus Cristo.
Em At 16,25 é narrada a prisão, na cidade de Filipos, de Paulo e Silas. Na prisão eles oravam e cantavam, quase à meia noite essas orações moveram os céus e a terra com um grande terremoto que soltou todos os presos. Além disto o carcereiro e toda a sua família se converteram. Paulo mostra que o Espírito Santo tem um papel fundamental na hora da Oração. “O Espírito socorre nossa fraqueza. Ainda que não saibamos pedir como é devido, o próprio Espirito intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8,26-27). Além do Espírito Santo o Senhor Jesus à direita de Deus ora também (Rm 8,34).
CONCLUSÃO
Fazer Oração para o cristão, é encontrar um momento e um lugar afim entrar em sintonia com seu interior, abrindo seu coração à graça de Deus para estabelecer uma comunicação e poder pensar e refletir sobre sua responsabilidade, na obra da criação e, portanto, em cada etapa ou momento da sua vida, visando seu lugar no plano de salvação traçado por Deus.
Para a doutrina cristã, a Oração é um dom da graça de Deus que vem ao encontro do homem e permite estabelecer uma relação pessoal e viva de filhos de Deus com o Pai, infinitamente bom, com seu filho, Jesus Cristo e com o Espírito Santo que habita no coração de aqueles que ao receberam.
A Oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria. Toda Oração vai ao Pai por meio de Jesus e em união com Espírito Santo. Ela estabelece uma sintonia com a revelação de Deus para discernir a sua vontade. Ela ajuda na experiência de Deus e dispõe para uma identificação com Cristo, facilitando a realização do projeto de Deus.
Segundo os católicos, a Oração não tem a função de alterar a vontade de Deus, mas somente de obter para si mesmo e/ou para os outros, graças, bens ou bênçãos que Deus já estaria disposto a conceder, mas que deveriam ser pedidos primeiro pelo cristão
Para Juan Bunyan em 1662 "A Orar é abrir o coração ou a alma a Deus de uma maneira sincera, sensível e afetuosa, através de Cristo, com a ajuda e o poder do Espírito Santo, por coisas como as que Deus prometeu, ou que são conforme a Palavra de Deus, para o bem da igreja, submetendo-se em fé à vontade de Deus".
O grau de revelação de Deus no universo, depende diretamente da capacidade espiritual do ser humano. Assim como quando Israel esteve no seu apogeu, Deus se revelou diretamente no monte Sinai com esplendor. Quando Israel caiu no exilio e, portanto, na confusão espiritual, Deus permaneceu oculto do povo. Por isso o cristão deve orar constantemente para que o nível espiritual se eleve até alcançar o grau necessário, que mereça ter Deus ante seus olhos com toda sua grandeza e poder.
Bibliografia Consultada
1 – A Bíblia do Peregrino.
2 – Chave Bíblica.
3 – Harris, R. Laird, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento.
4 – Smith, Ralph L., Teologia do Antigo Testamento.
5 – Gonzáles, Justo L. Diccinario Manual Teológico,
6 – Martín A. (1969) Teología de la Esperanza, Respuesta a la Angustia Existencia.
7 – Comentario al Nuevo Testamento, William Barclay. 1999 por CLIE para la versión española. Publicado originalmente en 1970 y actualizado en 1991 por The Saint Andrew Press, Escocia.
8 – Cf. K. KOCH, “Şdq”, Diccionario teológico manual del Antiguo Testamento, II (eds. E. JENNI – C. WESTERMANN) (Cristiandad; Madrid 1985).
Elías Nova Nova
Diplomado em Teologia – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE | Belo Horizonte, Brasil (2002)
Licenciatura Plena em Filosofia e Letras – Universidade de Santo Tomás de Aquino | Bogotá, Colômbia (1996)