A cruz, lugar do confronto da miséria humana com a misericórdia divina
Caros amigos, o itinerário quaresmal nos aproxima do mistério da glorificação do Senhor, pelo qual foi conquistada a redenção de toda a criação. Somos chamados neste tempo, pela Santa Mãe Igreja, a viver mais intensamente a Paixão de Jesus e, por meio dela, entrarmos na glória de sua ressurreição.
Na dinâmica salvífica, a cruz é um sinal de contradição. Contemplada de um ponto de vista puramente terreno, assume apenas valor de instrumento de castigo e de fracasso, mas aos olhos da fé, precisamente neste fracasso, vemos a plenitude do Amor de Deus. Um amor que se manifesta em uma vida gasta na oferta total de si em favor da humanidade e que permanece firme e íntegro, mesmo diante do fechamento dos corações. A condenação de Jesus à morte, é fruto de interesses religiosos e políticos dos que se sentiam ameaçados pelos ensinamentos e palavras de Verdade que Ele anunciava (cfr. Jo11,50; Mt 26,63-64).
Cumprem-se as palavras do livro da Sabedoria: “Dizem entre si, os ímpios, em seus falsos raciocínios: armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina; vamos condená-lo à morte vergonhosa” (Sb 2, 12-13.19-20a).
Quantos ao longo da história, e ainda hoje, foram caluniados, perseguidos e condenados por entenderem que a verdade não se submete a nenhuma outra forma de autoridade. Ela é condição para a liberdade e a justiça na caridade. “Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida” (Caritas in veritate, 3). Neste sentido, a Paixão voluntária de Cristo continua na paixão dos que lutam contra a violência construindo um mundo de verdade e justiça, semeando a fraternidade e a paz.
É na cruz que o Amor de Deus se manifesta ao homem. A vitória sobre o pecado foi alcançada por Cristo através de sua morte vicária por cada um de nós. A cruz abraçada por Jesus foi a expressão máxima da negação e da miséria humana, instrumento de tortura, lugar dos amaldiçoados. Nela a morte foi vencida pela humanidade do Filho de Deus no seu próprio campo!
O ‘escândalo’ e a ‘loucura’ da Cruz encontram-se precisamente no fato de que onde parece existir somente falência, dor e derrota, exatamente ali está todo o poder do Amor ilimitado de Deus, porque a cruz é expressão de amor, e o amor é o verdadeiro poder que se revela precisamente nesta aparente debilidade (Bento XVI, Audiência geral de 29/10/2008).
Jesus em seu sofrimento, além de indicar o exemplo e os passos que deveriam ser seguidos por seus discípulos (cfr. Mt 16,24; Lc 14, 27), abriu um novo caminho no qual a vida e a morte são santificados e recebem um novo sentido. (cfr. Gaudium et Spesi, 22). O Cristão nunca poderá se esquecer que o Ressuscitado dos mortos é o mesmo experimentou na Paixão, o insulto, o flagelo e a morte para lhe dar a vida.
No alto do madeiro não está apenas um homem fracassado e abandonado, uma vítima da perversidade humana, mas o Deus de bondade que faz novas todas as coisas (cfr. Ap 21,5). “É no mistério da Cruz que se revela plenamente o poder irresistível da misericórdia do Pai celeste” (Papa Francisco, Mensagem para a quaresma, 2017). Assim, compreendemos que a Paixão do Senhor revela a dimensão mais vil do ser humano com todos os seus horrores e, ao mesmo tempo, a supremacia da manifestação do amor de Deus por cada um de nós.
Autor: Dom Edney Gouvêa Mattoso
Bispo Diocese de Nova Friburgo (RJ)