Guardar o Dia do Senhor
A santificação do sábado, sinal de que Deus é o senhor da vida humana, não dependendo apenas do trabalho das pessoas, é uma preciosidade na prática religiosa e foi mantida com extremo cuidado pelo povo escolhido do Senhor. O dia do Senhor aponta também para a confiança absoluta na Providência divina, que não nos abandona. Mesmo sem o trabalho das mãos, no dia de sábado as pessoas permanecem vivas! E o dia de sábado se torna, no correr dos séculos, síntese e símbolo de todos os bens experimentados por Israel.
Ele é fiel expressão e fruto eficaz da espiritualidade hebraica. Através de vários ritos, como o acender das velas, uma bênção pronunciada pela mãe de família e bênçãos recitadas pelo pai, o dia de sábado mostra sua luminosidade e, “como lâmpada para seus passos” (Sl 118,105), clareia o caminho de Israel, revelando e fortificando sua identidade. O sábado foi sinal de alegria e gratidão pelos dons de Deus e a abertura para a plenitude da mesma alegria prometida por Deus. No decorrer da história do povo de Deus, o sábado passou também por decadência em sua observância e, por outro lado, grupos religiosos fizeram com que o dia da liberdade e da consciência da presença de Deus viesse a ser tratado com pesado rigorismo.
Jesus também esteve muitas vezes presente na Sinagoga, como judeu fiel. Ela foi espaço para dirigir palavras reveladoras aos presentes, assim como lugar de curas e atenções às pessoas. Entretanto, em várias ocasiões se estabelece um conflito entre Jesus e as autoridades religiosas judaicas a respeito da observância do sábado. Jesus tem grande liberdade para fazer o bem, nas curas que realiza, priorizando o bem dos mais frágeis, mostrando-se senhor do sábado, o que faz parte da revelação daquilo que ele é, Deus e homem verdadeiro. Nele acontece a superação da visão limitada sobre o dia do Senhor, até porque o dia definitivo chega quando ele vem e mostra toda a sua força e sua luz na Ressurreição dentre os mortos.
Os primeiros tempos da vida da Igreja assistiram dificuldades com relação à antiga tradição do sábado, pois os cristãos se voltaram para o primeiro dia da semana, chamado dia do Senhor por causa da Ressurreição, justamente a inauguração daquele dia definitivo! O dia da Ressurreição veio a ser a celebração semanal mais importante para nós, e assim o celebramos na Igreja. “Instituído para amparo da vida cristã, o domingo adquire naturalmente também um valor de testemunho e anúncio. Dia de oração, de comunhão, de alegria, ele repercute sobre a sociedade, irradiando sobre ela energias de vida e motivos de esperança. O domingo é o anúncio de que o tempo, habitado por Aquele que é o Ressuscitado e o Senhor da história, não é o túmulo das nossas ilusões, mas o berço dum futuro sempre novo, a oportunidade que nos é dada de transformar os momentos fugazes desta vida em sementes de eternidade. O domingo é convite a olhar para diante, é o dia em que a comunidade cristã eleva para Cristo o seu grito: ‘Maranatha: Vinde, Senhor!’ (1 Cor 16,22). Com este grito de esperança e expectativa, ela faz-se companheira e sustentáculo da esperança dos homens.
E domingo a domingo, iluminada por Cristo, caminha para o domingo sem fim da Jerusalém celeste, quando estiver completa em todas as suas feições a mística Cidade de Deus, que ‘não necessita de Sol nem de Lua para a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus, e a sua luz é o Cordeiro'” (Ap 21,23) (São João Paulo II, Dies Domini, número 84).
Se algumas línguas o chamam “dia do sol”, para nós o domingo é justamente a festa da presença daquele que é a luz do mundo. No entanto, é importante verificar o que temos feito do domingo, pois sua prática pode se degradar e comprometer a própria dignidade da pessoa humana, nele valorizada de modo eminente. De fato, repousar das próprias fadigas corresponde ao ritmo humano e também nos remete à criação do mundo, quando a narrativa bíblica projeta em Deus o descanso e a alegria pela obra realizada. O repouso semanal é importante e deve ser garantido pela legislação civil, e sabemos que ocorrem formas de moderna escravidão em que as pessoas são submetidas ao trabalho de forma iníqua. Como cristão, reivindicamos para todas as pessoas o repouso semanal provado pela história da humanidade como digno e adequado para a vida humana na terra.
O dia de domingo há de ser preenchido em primeiro lugar com a participação na Eucaristia, com a qual se faz presente a Morte e Ressurreição de Jesus. Na escuta da Palavra e na mesa Eucarística os cristãos têm o direito de estar diante do centro da própria fé. Antes de ser uma obrigação, trata-se de um direito! Daí o nosso apelo a que se redescubra o domingo como dia de Missa, e de preferência as famílias encontrem seu modo de participarem como corpo unido do Mistério de Cristo.
E vem também a ajudar-nos o esmero com que as Equipes de Liturgia e de Celebração nas Paróquias e Comunidades devem preparar o ato central da vida de Igreja. Quando não é possível a celebração da Missa, multipliquem-se nas Comunidades a santificação do Dia do Senhor com a Celebração da Palavra de Deus, enriquecida ainda em muitas Comunidades com a Sagrada Comunhão, com a reserva eucarística presente em nossos Tabernáculos.
Corremos entretanto o risco de transformar o domingo, ou com ele todo o fim de semana, apenas em tempo de ociosidade ou, pior ainda, tempo de todos os vícios nos quais jovens e adultos mergulham de forma arriscada e indigna. O resultado é um esvaziamento terrível, com gosto de ressaca! Sabe-se bem o que significa para muitos a segunda-feira e porque popularmente alguns a chamam de dia de preguiça!
Esvaziar-se de valores, entregar-se ao que de menos digno existe, só pode trazer frustração às pessoas! O domingo venha a ser recuperado na dimensão do justo repouso e na altura maior que é a celebração da Ressurreição do Senhor, para que seja, também ele, sinal da vida nova com a qual se comprometem os cristãos.
Autor: Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará