O Reino está entre nós
Neste 10º Domingo do Tempo Comum, a Palavra que nos é dirigida é um grande anúncio da importância do dom de crer em Cristo e viver segundo sua palavra. Jesus foi por toda a Galiléia pregando o Evangelho nas sinagogas anunciando a boa nova do Reino. Os sinais que acompanhavam esse anúncio despertavam tanto entusiasmo entre o povo, que os escribas – incrédulos e perversos –, sem poder negar tal evidência e não querendo reconhecer em Jesus o Messias, atribuem o Seu poder à influência de Belzebu. E o Mestre reage a esta insinuação: “Se, portanto, satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído” (Mc 3, 26).
Jesus coloca as coisas no seu lugar! Veio a este mundo para combater o maligno. Vence-o no deserto após o seu batismo; vence-o expulsando os demônios. É Ele o homem forte que guarda a casa. Tudo isso Ele o faz pelo Espírito Santo e não por algum espírito imundo como insinuam os mestres da lei.
O Senhor convida os fariseus, obcecados e endurecidos, a fazer uma consideração simples: se alguém expulsa o demônio, isto quer dizer que é mais forte do que ele. É uma exortação a mais a reconhecer em Jesus o Deus que com o Seu poder liberta o homem da escravidão do demônio.
Terminou o domínio de satanás: o príncipe deste mundo está a ponto de ser expulso. A vitória de Jesus sobre o poder das trevas, que culmina como na Sua Morte e Ressurreição, demonstra que a luz está já no mundo. Disse-o o próprio Senhor: “Agora é o julgamento deste mundo. Agora que o príncipe deste mundo vai ser lançado fora (cf. Jo 12, 31-32).
Por isso, acreditar no poder de Cristo Jesus é confiar na misericórdia e no perdão de Deus. Ele tem o poder de perdoar pecados, pois por sua morte e ressurreição há de vencer definitivamente a satanás e o pecado. Este é, na verdade, o maior adversário do ser humano, pois o afasta da comunhão com Deus.
Também no texto do evangelho deste domingo situa a presença dos parentes de Jesus. Ele anuncia a realidade da fé de Maria e daqueles que, como Maria, irão acreditar.
Ao acolher estas palavras do Evangelho pensemos no que Jesus se submeteu por nosso amor: disseram que Ele tinha “perdido o juízo”. Muitos santos, a exemplo de Cristo, passarão também por loucos, mas serão loucos de amor, loucos de amor a Jesus Cristo!
O Evangelho deste domingo (cf. Mc 3,20-35) apresenta-nos uma outra questão: o pecado contra o Espírito Santo. O Catecismo da Igreja Católica, uma feliz iniciativa de São João Paulo II que me chamou ao episcopado, dá a interpretação autêntica dessa passagem com as seguintes palavras: “A misericórdia de Deus não tem limites, mas quem se recusa deliberadamente a acolher a misericórdia de Deus pelo arrependimento rejeita o perdão de seus pecados e a salvação oferecida pelo Espírito Santo. Semelhante endurecimento pode levar à impenitência final e à perdição eterna” (CIC 1864).
No fundo, o pecado contra o Espírito Santo é um endurecimento interior que não permite a pessoa se arrepender dos próprios pecados. Logicamente, sem arrependimento não há perdão! Por outro lado, é muito difícil verificar se alguém pecou contra o Espírito Santo; na prática, até o final da vida de uma pessoa não se pode saber se tal impenitência foi um pecado contra o Espírito Santo. Em efeito, uma pessoa poderia se arrepender nos últimos momentos de sua existência e ser alcançado pela salvação.
Também, nesta perícope, escutamos que comunica a Jesus que a Sua Mãe e alguns parentes (que na tradução vem como “irmãos”) vieram à sua procura. Jesus respondeu-lhes: “Quem faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mc 3, 35). Todos aqueles que, seguindo o Seu exemplo, abraçam a vontade do Pai e a cumprem, ficam unidos a Ele com vínculos tão íntimos, só comparáveis aos mais estreitos laços familiares. E desta união a Cristo, na mesma vontade do Pai, é que se tiram forças para vencer satanás.
Por isso, a Igreja recorda-nos que a Santíssima Virgem “acolheu as palavras com que o Filho, pondo o Reino acima de todas as relações de parentesco, proclamou bem-aventurados todos os que ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática; coisa que Ela fazia fielmente” (Lumen Gentium, 58).
O Senhor, pois, nos ensina também que segui-Lo nos leva a compartilhar a Sua vida até tal ponto de intimidade que consistiu um vínculo mais forte que o familiar. A verdadeira família de Jesus é formada pelos que estão ao redor dele e que fazem a vontade de Deus. Maria era mãe duplamente: porque gerou Jesus e porque mais do que ninguém soube fazer sempre a vontade de Deus.
Autor: Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ