O SIGNIFICADO DE GRAÇA NA BÍBLIA
Às vezes é necessário percorrer a história linguística para achar o melhor significado da palavra Graça, por isso é necessário partir da palavra latina “Gratia” que tem sua raiz na palavra grega “Charis” e é usada para expressar o amor incondicional, dom gratuito, favor concedido a alguém, generosidade incondicional. Também é utilizada para descrever as características agradáveis de uma pessoa. Portanto, alguém que tem Graça, agrada e atrai outras pessoas através das suas palavras e atitudes.
Na teologia cristã, fala-se de Graça divina ou Graça santificadora, e é entendida como um favor ou presente gratuito concedido por Deus para ajudar o homem a cumprir os mandamentos, a ser salvo ou a ser santo; portanto é um ato unilateral, e imerecido para o ser humano, pelo qual Deus chama continuamente as almas para si. Isto é, a Graça é um atributo de Deus, um componente do caráter divino, demonstrado por Ele através da bondade para com o ser humano pecador, que não merece o seu favor. Durante a história da teologia cristã, sua definição foi delineada a partir das noções que na Bíblia são dadas da expressão Graça e as discussões sobre o estado inicial do homem antes do pecado original.
NO ANTIGO TESTAMENTO
Na língua hebraica, que foi usada para escrever o Antigo Testamento, existem três termos para o conceito de “Graça”. Jen do verbo "Janán", que significa ser generoso ou propenso a dispensar favores. E é usado no sentido de “fazer um favor pela benevolência”. Um exemplo de Graça está em (Gn 6,8) “Mas Noé encontrou Graça aos olhos do Senhor”. Chesed que significa caridade, misericórdia no sentido da redenção. Um exemplo de Graça ou chesed está em (Ex 20,6) “mas sou leal por mil gerações quando encontro Graça...”. Ratsón que significa aceitação, boa vontade, contentamento. Um exemplo de Graça ou de Ratson está em (Is 60,10) “mas, na minha boa vontade, terei piedade de ti”.
Esses três termos de Graça, no Antigo Testamento, revelaram a ação do amor, da Graça e misericórdia de Deus para com o povo de Israel. Isto é, expressam uma relação objetiva de favor imerecido conferido por alguém superior a outro inferior, que, no caso da Graça de Deus para com a pessoa humana está ligado o conceito à ideia de pacto e de escolha. Esse favor divino ao indivíduo, tanto como criatura quanto como pecador, resultará em vida transformada.
A Graça de Deus, na história de salvação do Antigo Testamento, implica uma atitude magnânima de benevolência gratuita por parte de Deus que se materializará, mais tarde, nos bens materiais que os israelitas, merecedores da Graça, obtém. Portanto, sublinha a humildade do destinatário e ao mesmo tempo a gratuidade do presente.
A Graça começou no Jardim do Éden, quando Deus fez túnicas de pele para o homem e sua mulher, e os vestiu, como uma forma de cobrir o pecado de Adão e Eva (Gn 3,21). Ele poderia ter acabado com os primeiros seres humanos naquele tempo por sua desobediência, mas em vez de destruí-los, Ele escolheu estabelecer um caminho para que eles estivessem certos com Deus. Este padrão de Graça continuou ao longo do Antigo Testamento, quando Deus instituiu sacrifícios de sangue como forma de expiar o pecado dos homens. Não foi o sangue dos sacrifícios que purificaram os pecadores; foi a Graça de Deus que perdoou aqueles que confiaram nEle (Hb 10, 4; Gn 15,6).
Basta fazer um rápido percorrido pelos principais personagens do Antigo Testamento para ver que é comum encontrar expressões como: “encontrar Graça diante de seus olhos” (Gn 34,11, Ex 3, 21; 11,3; 12,36. Nm 32,5). Em outras ocasiões, inclui a recompensa (Dt 28,50), embora o favor de Deus continue sendo considerado não obrigatório e sim gratuito. Pode também referir-se à qualidade de uma pessoa que faz com que o Senhor seja benevolente para ele (Gn 39,5; 1Sm 16,22).
O pecado de Adão e Eva também afetou sua prole, uma vez que os efeitos da queda foram imputados a toda a raça humana, de tal forma que o comportamento do povo era um mal contínuo. Mas, apesar disso, houve alguns que encontraram Graça aos olhos de Deus, como Abel, que trouxe a Deus o tipo de oferenda que Ele havia ordenado. (Gn 4.4). E o Senhor olhou com Graça sobre Abel e sua oferta.
A palavra Graça chen é usada pela primeira vez na Bíblia em conexão com Noé (Gn 6,8); mas Noé encontrou Graça aos olhos de Deus. O resultado disso, ele foi salvo do dilúvio e também era herdeiro da justiça. Abraão também encontrou Graça ante os olhos de Deus, (Gn 18,3) e disse: Meu Senhor, se agora encontrei a Graça aos seus olhos, peço-lhe que não passe pelo seu servo. E esta revelação da Graça de Deus está relacionada com a promessa da semente através de Sara. A Graça chesed também foi dada a Abraão por Deus quando lhe mostrou uma esposa para o seu filho Isaac (Gn 24,27).
Também a Graça chesed foi dada a Ló que o concedeu para escapar de zoar quando Sodoma foi destruído (Gn 19,19). Jacob também provou a Graça chesed em seu encontro com seu irmão Esaú (Gn 32,10...). E Jacob disse: Não, eu te imploro; Se eu agora tirei a Graça aos seus olhos, aceite meu presente, pois eu vi seu rosto, como se eu tivesse visto o rosto de Deus, pois com tanto favor você me recebeu. Deus também mostrou sua Graça chen ao conceder o favor a José antes da guarda da prisão Gn 39,21. Mas o Senhor estava com José e estendeu a sua misericórdia para ele, e lhe deu Graça aos olhos da cabeça da prisão.
Israel também foi retirado do Egito pela Graça. Ex 15,13 Neste texto, a palavra-chave é a redenção, a redenção sempre estará ligada à Graça, lembre-se do sangue pulverizado na travessa da porta para proteger todo primogênito.
Moises, o grande líder do povo de Israel, que os tirou da escravidão do Egito, também encontrou a Graça diante de Deus. E disse Moisés ao Senhor: “Vê, tu me disseste que eu guiasse este povo, mas não me comunicaste quem me dás como auxiliar, e no entanto dizes que me tratas pessoalmente e que gozo da tua Graça chen. Portanto, se gozo da tua Graça, ensina-me o caminho, e assim sabereis que gozo da tua Graça chen; além disso, leva em conta que essa gente é teu povo..., Pois, como se conhecerá que eu e meu povo gozamos da tua Graça, senão pelo fato de que vai conosco? Isso distinguirá a mim e a meu povo dos demais povos da terra. O Senhor lhe respondeu: Eu te concedo também este pedido porque gozas da minha Graça e te trato pessoalmente (Ex 33,12-13; 16,17).
Deus mostra, no povo de Israel, que concede sua Graça ou favor como sendo uma das atitudes básicas para com o homem (Ex 34,4); age sobretudo perdoando e libertando. Sem mérito humano (Dt 9). O homem implora Graça, ou seja, perdão ou favores (Sl 51,3; 119,29); e dá Graças pelo favor recebido. Deus paga o agradecimento com novos favores (Sl 138).
NO NOVO TESTAMENTO
A palavra traduzida como “Graça” no Novo Testamento vem da palavra grega charis, que significa “favor, benção ou bondade”. Todos podem estender a Graça aos outros, mas quando a palavra Graça é usada em relação a Deus, ela adquire um significado mais transcendente. A Graça é que Deus escolha o ser humano para abençoar em vez de amaldiçoar, mesmo que pelo pecado o homem mereça. Esta é a bondade de Deus para com os indignos.
De acordo com a história do Evangelista Lucas, o anjo Gabriel, ao cumprimentar Maria, teria usado a expressão κεχαριτωμένη (cheia de Graça) que implicaria um total preenchimento de Maria com a gratuidade de Deus, que não só fica em Maria, mas transborda em gratuidade na pessoa de Jesus para toda a humanidade.
Nos evangélicos sinóticos (Mt, Mc e Lc) encontra-se três relações diretas: a predicação do reino; o seguimento de Jesus e a paternidade de Deus. Estes três motivos estão diretamente relacionados entre si e antecipam os grandes núcleos da teologia paulina e joanina da Graça: a gratuidade de esta, seu caráter cristocentrico e a relação paternal-filial que se gera entre Deus e o homem. A partir disso o cristianismo vai usar o conceito da Graça como chave para compreender a história, toda vez que é usada no cristianismo não denota algo particular, senão alguém: Jesus Cristo que é a manifestação escatológica do amor gratuito de Deus. Deus que se comunica com suas criaturas curando-as e tirando todo sofrimento e enchendo-as com sua Graça e amor através de Jesus.
Para Paulo a Graça é importante no plano de salvação (Ef 2,8) “Gratuitamente fostes salvos pela fé, não por mérito vosso, por dom de Deus”. Isto é, Paulo deixa claro que a única forma de um ser humano entrar em um relacionamento com Deus é devido à Graça que Deus tem para com o homem; pois é Deus que permite que o homem o encontre pela sua Graça no amor proveniente de Deus e não pela Graça do ser humano.
Paulo iniciou muitas das suas cartas com as palavras: “Graça e paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo” (Rm 1,7; Ef 1,1; 1 Cor 1,3). Pois para ele, Deus é o promotor da Graça, junto com outros dons ou características que são próprias de Deus e que fluem gratuitamente em busca do homem para estabelecer uma comunicação de amor, que leva o homem ao seio da Trindade.
É pela graça que o caminho da redenção foi aberto para os homens, Rm 3.24; 2 Co 8.9, e que a mensagem da redenção foi levada ao mundo, At 14.3. pela graça os pecadores recebem o dom de Deus em Jesus Cristo, At 18.27; Ef 2.8. Pela graça eles são justificados, Rm 3.24; 4.16; Tt 3.7, são enriquecidos de bênçãos espirituais, Jo 1,16; 2 Co 8.9; 2 Ts 2.16, e finalmente herdam a salvação, Ef 2.8; Tt 2.11. Vendo-se absolutamente sem méritos próprios ficam na total dependência da graça de Deus em Cristo.
Deus mostra a sua Graça como uma benção que não é merecida pelo ser humano, mas que é uma gratuidade do próprio Deus, não tem como ser recusada, pois é um presente da sua gratuidade. É com muita piedade que, Deus escolheu cancelar, apagar, a dívida pecaminosa através do sacrifício de seu Filho perfeito (Tt 3,5; 2Cor 5,21). Mas Ele vai ainda mais além da misericórdia e estende a Graça aos seus inimigos (Rm 5,10). Ele oferece perdão (Hb 8,12; Ef 1,7), reconciliação (Cl 1,19-20), vida em abundância (Jo 10,10), tesouro eterno (Lc 12,33), seu Espírito Santo (Lc 11,13), e um lugar no céu com ele algum dia (Jo 3,16-18) quando o homem aceitar sua oferta e colocar sua fé para receber a Graça de Deus.
CONCLUSÃO
No cristianismo, Graça é o dom gratuito de Deus ao homem num encontro transformante em que a criatura humana é restaurada. Também é através da Graça, que Deus confere ao homem a participação na vida divina fazendo-o seu filho adotivo. Perdida a amizade de Deus pelo pecado, a sua recuperação é feita pelo arrependimento genuíno dos pecados e aceitação do sacrifício de Jesus. Ninguém é salvo sem receber a Graça de Deus. A salvação é pela Graça, o que significa que é gratuita, e é algo que o ser humano não pode alcançar pelos próprios esforços.
Deus não tem nenhuma obrigação de conceder Graça a pecadores, mas Ele assim o faz segundo o bem querer da sua vontade. Ele demonstra Graça ao estender seu favor, sua misericórdia e seu amor para suprir a necessidade do ser humano. Visto que o caráter de Deus é composto de Graça e movido por bondade; Ele espontaneamente se dispõe a conceder sua Graça à humanidade pecadora em tempo de aflição. A Graça de Deus pode ser definida como “aquela qualidade intrínseca do ser ou essência de Deus, pela qual Ele, em sua disposição e atitudes, é espontaneamente favorável” a outorgar favor imerecido, amor e misericórdia àqueles que Ele escolhe dentre a humanidade desmerecedora.
Para finalizar, pode-se dizer que ao longo de toda a Bíblia, a Graça de Deus se manifestou em três estágios. No primeiro, Deus revelou sua bondade e Graça ao demonstrar misericórdia, favor e amor para com todos os homens em geral, mas para com Israel em particular. No segundo estágio, Deus expressou e apresentou sua Graça, de forma mais clara, através de Jesus Cristo, o qual veio ao mundo para pagar pelos pecados do homem mediante sua morte sacrificial na cruz. No terceiro, a Graça de Deus proporciona salvação e santificação a todos os que, pela fé, confiam em Jesus Cristo como Salvador e Senhor de suas vidas.
Bibliografia Consultada
1 – A Bíblia do Peregrino.
2 – Chave Bíblica.
3 – Harris, R. Laird, Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento.
4 – Smith, Ralph L., Teologia do Antigo Testamento.
5 – Gonzáles, Justo L. Diccinario Manual Teológico,
6 – Martín A. (1969) Teología de la Esperanza, Respuesta a la Angustia Existencia.
7 – Comentario al Nuevo Testamento, William Barclay. 1999 por CLIE para la versión española. Publicado originalmente en 1970 y actualizado en 1991 por The Saint Andrew Press, Escocia.
Elías Nova Nova
Diplomado em Teologia – Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – FAJE | Belo Horizonte, Brasil (2002)
Licenciatura Plena em Filosofia e Letras – Universidade de Santo Tomás de Aquino | Bogotá, Colômbia (1996)