Entre as coisas que passam, abraçar as que não passam
Caros amigos, aproxima-se a grande festa do nascimento de Jesus, o Verbo Divino feito carne. A Igreja, mãe e mestra, ciente da magnitude desta solenidade, na qual se celebra o encontro de Deus com a humanidade, tendo como principal fruto a redenção de toda a criação, convida seus filhos para, com responsabilidade e dedicação, preparem-se para acolher, na frágil criança deitada na manjedoura, a salvação de todo gênero humano.
Durante as quatro semanas que antecedem o Natal, tempo do Advento, somos chamados a refletir sobre a condução de nossas vidas neste mundo passageiro. Infelizmente, o pensamento contemporâneo focado no consumismo e imediatismo desvia nossa atenção para as coisas supérfluas e nos afasta do verdadeiro sentido deste tempo de graça. Vemos os shoppings e lojas lotadas por pessoas que obstinadamente “preparam” as festividades de fim de ano, muito preocupadas com os presentes, com as ceias, com a casa; com tudo, muitas vezes esquecendo-se da vida espiritual.
O Papa Francisco, aludindo ao profeta Jeremias, chama atenção para o risco de, em meio às coisas que passam, perdemos nossa identidade, cedendo à mundanização dos princípios de nossa fé, “paganizando” o ser cristão.
Para que não caiamos nas armadilhas de nosso tempo, precisamos “abrir nossos corações, para nos questionarmos concretamente sobre como e para quem dedicamos nossas vidas” (Papa Francisco, 02 dez. 2018). É preciso estar com as lâmpadas acesas (cf. Mt 25, 1-13), pois o filho do homem virá quando menos esperamos.
Nas orações litúrgicas, o povo de Deus clama os auxílios divinos para que ao caminhar entre as coisas que passam, abracem as que não passam (cf. Oração pós comunhão do 1º domingo do advento). Isto não significa que o cristão, no itinerário desta vida, tenha que virar as costas à existência que Deus lhe deu para viver, o que importa é não colocar a razão última da vida no que é passageiro.
Nunca podemos nos esquecer que não pertencemos ao mundo, mas estamos nele caminhando em direção a Deus (cf. Jo 15,19). Assim, se as coisas terrenas nos ajudam nesta caminhada, são bem-vindas, caso contrário é preciso deixa-las para trás.
Neste contexto, relembramos as palavras de São Bernardo ao falar da tríplice vinda de Nosso Senhor. Entre a primeira vinda de Jesus, revestido da carne humana, e a segunda, na qual manifestará a coroa da realeza divina, há uma vinda intermediária que é o caminho que conduz da primeira à última.
Esta vinda intermediária, invisível aos olhos, é vivida no compromisso de olhar para fora de nós mesmos, ampliando nossa mente e nosso coração para nos abrirmos às necessidades de nossos irmãos e ao desejo de um novo mundo (Papa Francisco, 02 dez. 2018). Fazendo cumprir as palavras de Jesus: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes”.
Só terá sentido enfeitar nossos lares e ruas, reunir a família e amigos ao redor da mesa e presentear-nos uns aos outros, quando em nossas relações estiver manifesto o amor de Deus no cuidado com os irmãos.
Vivamos a graça deste tempo como profetas que, aguardando ansiosos a grande manifestação da graça de Deus, assumem o dever de gritar no deserto deste mundo “preparai o caminho do Senhor, endireitai suas veredas (cf. Lc 3,4).
Autor: Dom Edney Gouvêa Mattoso
Bispo de Nova Friburgo (RJ)